A REFORMA CURRICULAR NO CURSO DE DIREITO DA UFSC

No dia 11 de março de 2020 o Núcleo Docente Estruturante (NDE) se reuniu para apresentar os resultados dos trabalhos quanto à reforma curricular do curso de direito. A reunião praticamente não contou com participação dos estudantes, não sendo divulgada pelo núcleo e sequer pelo Centro Acadêmico XI de Fevereiro. 

A proposta apresentada padecia dos mesmos problemas estruturais que empobrecem a esmagadora maioria dos currículos. Ausência de debate público, proeminência da discussão sobre adição e subtração de matérias sem levar em conta critérios como avaliação, metodologia de ensino e sem sequer definir qual o conteúdo discutido nas matérias propostas.

Esse estilo de reforma curricular não se prolifera à toa. Seu objetivo é a adequação do currículo aos interesses exclusivos dos docentes que transformam a grade curricular numa extensão de seus projetos de pesquisa individuais. Esses interesses não determinam apenas o que deve compor o currículo, mas também como se estruturam os órgãos que o deliberam. A esmagadora maioria de cadeiras dos docentes no NDE e demais conselhos deliberativos é a manifestação institucional desse fenômeno.

É dentro desse contexto que o PET Direito reconhece a completa ineficácia da disputa meramente institucional da reforma curricular que pode, no melhor dos casos, atenuar os problemas de um projeto previamente sem lastro no conjunto do curso. Se as demandas, necessidades, e interesses dos estudantes do CCJ só se manifestam no dia a dia do curso e nas discussões públicas (e estamos convencidos de que é o caso) somente um debate público e uma construção ampla do currículo pode efetivar o papel que o curso de direito possui dentro da universidade.

Esse debate não é limitado aos aspectos vagos e abstratos que compõem o senso comum latente na análise das ciências jurídicas. Tais abstrações ficam à cargo da legislação pertinente. O que se impõe como pauta é a análise minuciosa dos temas fundamentais capazes de reinserir o curso de direito da UFSC no contexto social em que ele atua. Quais as principais demandas jurídicas da cidade? Qual a eficiência dos métodos avaliativos atuais na efetivação da aprendizagem? Quais os textos jurídicos marginalizados em prol da leitura de manuais repetitivos popularmente chamados de “doutrinas”? 

Tais perguntas se multiplicam na mesma medida em que são sistematicamente ignoradas. Seja pelo silêncio conivente daqueles que historicamente elaboram o currículo e continuam a cargo dele hoje, seja pela negligência do centro acadêmico que na busca pelos temas de moda deixa de se manifestar naquilo que é fundamental ao interesse dos estudantes.

Esses questionamentos acerca da reestruturação do currículo do curso de direito tem como objetivo central estabelecer qual a função social e a utilidade do currículo atual  na formação dos futuros juristas. Para tanto, faz-se indispensável questionar se o currículo atual oferece ao estudante instrumentos mínimos para compreender e transformar a realidade na qual está inserido, ou, tão somente, formar sujeitos reprodutores e enunciadores da norma posta.

Sequer este último objetivo, diga-se de passagem, bem menos ambicioso, têm sido alcançado pelo curso de direito da UFSC. Afinal, por que após cinco anos de graduação a maioria dos estudantes de direito não se sente preparada para enfrentar a prova da OAB sem um cursinho ou uma revisão?

Já no que tange à referida perspectiva crítica da formação jurídica, denota-se que a busca de sua consolidação não pode ser reduzida a uma simplória “disputa de cadeiras” entre matérias ditas propedêuticas e dogmáticas, visto que a consolidação de tal perspectiva demanda compreender como o currículo do curso de direito, como um todo, tem se distanciado cada vez mais dos problemas sociais e práticos, isto é, da realidade efetivamente vivida pelos estudantes.

São inúmeros os exemplos desta dissociação entre o currículo e as questões sociais que cercam os estudantes, dentre os quais podemos citar o fato de que em um estado com mais de vinte mil encarcerados, e, até mesmo uma penitenciária vizinha da universidade, não contamos com  nenhuma matéria sobre execução penal no único curso público de direito. Da mesma forma, até hoje não contamos com nenhuma cadeira voltada a preparar o aluno, antes de lançá-lo à prática no NPJ, ou mesmo para introduzi-lo em questões fundamentais ao exercício profissional como Direito Previdenciário. 

É fato que o currículo atual, por não possuir um direcionamento claro e não corresponder às necessidades e demandas sociais efetivamente vividas pelos estudantes, tem  gerado um inevitável desinteresse destes, o que tem levado à um fenômeno crescente de procura por outras fontes de aprendizado fora da universidade. Em outras palavras, os estudantes se adequam ao que o currículo estabelece como prioridade e não o contrário.

A curricularização da extensão, fator determinante para o início desta pauta, não escapa a esse raciocínio. Da mesma maneira que não pode permanecer como um subproduto das tarefas acadêmicas corriqueiras já existentes, não deve assumir um caráter assistencialista e muito menos de mero complemento à formação dos estudantes, sendo estes dois últimos aspectos apenas consequências. O que determina a extensão é a integração da universidade com os demais setores sociais de uma maneira que não os tome como sujeitos passivos do processo, tornando-os independentes desse auxílio no decorrer do atendimento das demandas.

Tendo em vista a ausência de debate público no tema, nós do PET Direito UFSC, realizando nosso compromisso com ensino, pesquisa e extensão e reconhecendo a importância da reforma curricular e sua necessária participação estudantil, pretendemos intervir no debate e apresentar uma proposta de currículo construída publicamente e que tenha legitimidade ante às demandas dos estudantes. Para isso, abriremos fóruns de discussão e formações à respeito da reforma curricular além de eventos que tragam as bases para a elaboração pública de um novo currículo. Os fóruns são a divulgação e debate dos acúmulos adquiridos pelo PET ao longo de amplo estudo da estrutura curricular do direito, auxiliando assim na construção concreta e amplamente participativa do novo curriculo.

Num país subdesenvolvido e dependente, um curso de direito não pode se furtar das questões concretas que determinam a maneira com que as matérias jurídicas abstratas são incorporadas no contexto social brasileiro. Sendo assim, o PET Direito UFSC convida toda a comunidade estudantil do Centro de Ciências Jurídicas para compor este debate e agregar na elaboração de um projeto de currículo verdadeiramente público.